segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Desonra





"Desonra" é o mais aclamado romance de John Maxwell Coetzee, contando a história de David Lurie, um professor universitário. A história começa com o personagem caindo nas tentações de paixões enquanto tenta resistir às normas rígidas e politicamente corretas da universidade onde trabalha. É bem interessante ver o conflito das ideias do que ele considera certo e ético enquanto ele vai cedendo à essas tentações. Mas apesar disso, David começa a perseguir uma aluna que não queria um relacionamento com ele. A trama corre até o personagem ser denunciado e ir a uma espécie de julgamento pelos outros professores da universidade, onde nem ao menos tenta se defender. Os professores sugerem que ele continue no emprego, mas faça um pedido de desculpas ou se trate com um psicólogo, mas ele se sente culpado e recusa, o que acaba fazendo ele perder o emprego. Pode-se notar a sua culpa quando, no começo do livro, David já começa se introduzindo como uma péssima pessoa. O livro se passa e após todo esse ocorrido, David se mostra uma pessoa que aparentemente aprendeu muito com seu erro e estava ficando cada vez mais amadurecido. 


Trecho: 

” ‘Nesse coro de boa vontade’, ele diz, ‘não ouço nenhuma voz feminina.’ Silêncio.” Quando seus colegas, em um ambiente machista e que permitiam a defesa dele, expressavam opiniões justificando e banalizando a atitude errada de David, ele falou isso demonstrando que só homens poderiam banalizar tal atitude. 

Curiosidade: 

J.M. Coetzee ganhou o prêmio Nobel de Literatura no ano de 2003, sendo, até hoje, um dos únicos escritores africanos a receberem tal prêmio. 

Avaliação: Uma grande obra, que trata de um delicado assunto (mas pertinente na nossa sociedade) que precisa ser mostrado. Além disso, é bem fascinante saber como essas questões (entre outras questões sociais) eram tratadas na África do Sul da época. Toda essa questões psicológicas dos pensamentos do personagem principal são um grande fator para deixar essa leitura ainda mais intrigante.

sábado, 9 de dezembro de 2017

O Jardim de Cimento


O Jardim de Cimento - Ian McEwan


Quatro irmãos menores de idade, dois em plena fase da passagem do mundo infantil/juvenil para o adulto, mãe e pai mortos em um curto período de tempo, tédio, solidão e erotismo. Com estes elementos, Ian traz, na voz de Jack, a história de crise de uma família alienada a sociedade, ambientada em um um local decadente, que, em um verão atípico e muito quente, se vê forçada a tomar decisões que mudarão a sua forma de se organizar e perceber o seu universo interior.
Num dia, o patriarca, após perceber a falha no seu projeto do jardim e haver comprado alguns sacos de cimento e areia, pede ajuda a seu filho, Jack, para espalhar o cimento pelo entorno da residência, querendo transformá-lo em um lugar preenchido pelo concreto. No meio do trabalho, entre idas e vindas de cimento, Jack sai para ir ao banheiro e em uma rápida masturbação, tem a experiência de seu primeiro gozo. Quando ele retorna ao pátio, seu pai está deitado de bruços e com a tábua de alisar cimento junto a mão. Morrera de ataque cardíaco com o rosto sobre o cimento recém passado.
A partir dessa cena, a constituição familiar e os papéis com que cada membro atribuía (ou era atribuído) a si, nesse complexo sistema, começam a mudar. A mãe logo fica doente e de cama, por motivos não tão claros; Sue, Tom, Julie e Jack precisam cuidar da casa, assim como de si próprios. Por mais que ela tentasse orientá-los sobre como lidar com as tarefas do dia a dia e permanecesse em repouso, inesperadamente também morre, fazendo com que os quatro tenham de tomar uma sórdida decisão: Enterrar o cadáver da matriarca dentro de um baú no porão com o resto de cimento que havia. Já que, por serem agora órfãos, iriam ser enviados à instituições de adoção separadamente.
Assim, livres de figuras autoritárias e de ordem, cada qual mergulha no seu mais profundo ser, praticando e desenvolvendo atividades voltadas para a ordem do prazer e ociosidade. Jack vive um mundo de masturbação contínua e desleixo com a higiene corporal; Sue se isola na leitura e escrita de textos; Tom, em momentos de crise identitárias, quer se tornar uma garota e, mais para frente, deseja retornar a sua fase primeira, voltando ao estado de bebê; e, Julie, sendo a única dos quatro que dividia espaço com a sociedade, se vale de um namorado, Derek.
Entre conflitos e aceitações, tal como assimilação das mudanças que vinham ocorrendo, Jack e Julie assumem definitivamente o papel dos pais ao se envolverem incestuosamente no quarto dos falecidos guardiões. No entanto, Derek vê os dois, e, como já estava curioso sobre aquele baú cheio de cimento no porão, que estava a inalar um cheiro estranho, desce e descobre o segredo, delatando-os para a polícia. Na parte final, prazer, união, incesto, maternidade e justiça acontecem sombriamente, relegando o final dos órfãos em mistério para o leitor.


Citação:

“Vi uma coisa hoje no jardim
que me chocou”, e
u disse.
É mesmo?”, perguntou Julie. “O que foi?”
“Uma flor.”
 

Curiosidades:
  • Ian McEwan também é conhecido como "Ian Macabro", por causa do teor de suas primeiras obras;
  • O Jardim de Cimento teve uma adaptação para os cinemas em 1993, sendo escrito e dirigido por Andrew Birkin;
  • Uma das mais interessantes perspectivas que Andrew traz em sua adaptação do livro de Ian, é a atmosfera suja e angustiante que predomina no filme, assim como a sensação que Jack tem de seu interior;
  • Ian, atualmente com 69 anos, publicou em 2016 o livro Nutshell, contabilizando um total de mais de 20 obras  

Avaliação:
 O texto traz concepções muito interessantes para a nossa sociedade, em que o social e as regras inconscientes e conscientes predominam. Pois, se o isolamento e a não interação total nesse universo acontecesse com determinado grupo, o quê eles seriam ou fariam? A ordem do prazer e instintos primitivos talvez viessem a tona com uma grande força de arrebatamento. E é isso que McEwan nos oferece com um grande poder descritivo, no qual cada cena se torna visível ao leitor.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Se um viajante numa noite de inverno






Ítalo Calvino se reinventa artisticamente em dez escritores diferentes contando dentro da história de dois leitores dez romances diferentes. Quando você começa a ler, pode até não saber, mas irá embarcar em uma grande aventura. O livro começa com uma espécie de adivinhação do perfil do leitor, já buscando uma identificação com a própria pessoa que está lendo. Então continua com o leitor (isso mesmo, você), comprando um livro (“Se um viajante numa noite de inverno”) que possui um defeito. Aborrecido, ele volta ao local que comprou para trocar o livro e então descobre que a leitura do livro defeituoso não tinha nada a ver com o real livro em questão. Aí que ele busca um novo romance para ler e se perde em diversas leituras que são colocadas ao decorrer da história contada por Ítalo Calvino. A história é dividida assim: alternando entre um capítulo sobre um dos livros que os leitores estão lendo e um capítulo sobre os leitores em si. No decorrer do total de dez romances vamos adentrando nas tantas histórias simultâneas que nos fazem incorporar totalmente esse papel de personagem.

Trecho:

“No romance “romanesco” a interrupção é trauma, mas também pode institucionalizar-se (o corte no momento fulminante no folhetim; a quebra dos capítulos; o “voltemos um passo”). O fato de ter feito da interrupção de enredo motivo estrutural de meu livro tem esse sentido preciso e circunscrito, e não toca a problemática do inacabado na área da arte e da literatura. Melhor dizer que aqui não se trata do inacabado, mas do acabado interrompido, do acabado cujo final está oculto ou ilegível. Tanto no sentido literal quanto no metafórico.”
“Vivemos em um mundo onde histórias começam e não acabam.”

Curiosidades:

O livro é uma crítica a alguns leitores e sua “pressa” para ler livros;

Esse conceito de escrever “livros dentro de livros”, fazendo pensarmos na literatura dentro da literatura é chamado de “metaliteratura”.


Avaliação:

É um livro que, de um jeito nunca antes tão real, nos faz imergir dentro da história. Esse conceito pode ser meio “batido”, mas esse livro com essa metalinguística faz isso ter um sentido como nunca. Apesar de ser uma leitura confusa e pesada todas essas histórias dentro de histórias valem a pena pelo grau de imersão que o livro causa.