segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Desonra





"Desonra" é o mais aclamado romance de John Maxwell Coetzee, contando a história de David Lurie, um professor universitário. A história começa com o personagem caindo nas tentações de paixões enquanto tenta resistir às normas rígidas e politicamente corretas da universidade onde trabalha. É bem interessante ver o conflito das ideias do que ele considera certo e ético enquanto ele vai cedendo à essas tentações. Mas apesar disso, David começa a perseguir uma aluna que não queria um relacionamento com ele. A trama corre até o personagem ser denunciado e ir a uma espécie de julgamento pelos outros professores da universidade, onde nem ao menos tenta se defender. Os professores sugerem que ele continue no emprego, mas faça um pedido de desculpas ou se trate com um psicólogo, mas ele se sente culpado e recusa, o que acaba fazendo ele perder o emprego. Pode-se notar a sua culpa quando, no começo do livro, David já começa se introduzindo como uma péssima pessoa. O livro se passa e após todo esse ocorrido, David se mostra uma pessoa que aparentemente aprendeu muito com seu erro e estava ficando cada vez mais amadurecido. 


Trecho: 

” ‘Nesse coro de boa vontade’, ele diz, ‘não ouço nenhuma voz feminina.’ Silêncio.” Quando seus colegas, em um ambiente machista e que permitiam a defesa dele, expressavam opiniões justificando e banalizando a atitude errada de David, ele falou isso demonstrando que só homens poderiam banalizar tal atitude. 

Curiosidade: 

J.M. Coetzee ganhou o prêmio Nobel de Literatura no ano de 2003, sendo, até hoje, um dos únicos escritores africanos a receberem tal prêmio. 

Avaliação: Uma grande obra, que trata de um delicado assunto (mas pertinente na nossa sociedade) que precisa ser mostrado. Além disso, é bem fascinante saber como essas questões (entre outras questões sociais) eram tratadas na África do Sul da época. Toda essa questões psicológicas dos pensamentos do personagem principal são um grande fator para deixar essa leitura ainda mais intrigante.

sábado, 9 de dezembro de 2017

O Jardim de Cimento


O Jardim de Cimento - Ian McEwan


Quatro irmãos menores de idade, dois em plena fase da passagem do mundo infantil/juvenil para o adulto, mãe e pai mortos em um curto período de tempo, tédio, solidão e erotismo. Com estes elementos, Ian traz, na voz de Jack, a história de crise de uma família alienada a sociedade, ambientada em um um local decadente, que, em um verão atípico e muito quente, se vê forçada a tomar decisões que mudarão a sua forma de se organizar e perceber o seu universo interior.
Num dia, o patriarca, após perceber a falha no seu projeto do jardim e haver comprado alguns sacos de cimento e areia, pede ajuda a seu filho, Jack, para espalhar o cimento pelo entorno da residência, querendo transformá-lo em um lugar preenchido pelo concreto. No meio do trabalho, entre idas e vindas de cimento, Jack sai para ir ao banheiro e em uma rápida masturbação, tem a experiência de seu primeiro gozo. Quando ele retorna ao pátio, seu pai está deitado de bruços e com a tábua de alisar cimento junto a mão. Morrera de ataque cardíaco com o rosto sobre o cimento recém passado.
A partir dessa cena, a constituição familiar e os papéis com que cada membro atribuía (ou era atribuído) a si, nesse complexo sistema, começam a mudar. A mãe logo fica doente e de cama, por motivos não tão claros; Sue, Tom, Julie e Jack precisam cuidar da casa, assim como de si próprios. Por mais que ela tentasse orientá-los sobre como lidar com as tarefas do dia a dia e permanecesse em repouso, inesperadamente também morre, fazendo com que os quatro tenham de tomar uma sórdida decisão: Enterrar o cadáver da matriarca dentro de um baú no porão com o resto de cimento que havia. Já que, por serem agora órfãos, iriam ser enviados à instituições de adoção separadamente.
Assim, livres de figuras autoritárias e de ordem, cada qual mergulha no seu mais profundo ser, praticando e desenvolvendo atividades voltadas para a ordem do prazer e ociosidade. Jack vive um mundo de masturbação contínua e desleixo com a higiene corporal; Sue se isola na leitura e escrita de textos; Tom, em momentos de crise identitárias, quer se tornar uma garota e, mais para frente, deseja retornar a sua fase primeira, voltando ao estado de bebê; e, Julie, sendo a única dos quatro que dividia espaço com a sociedade, se vale de um namorado, Derek.
Entre conflitos e aceitações, tal como assimilação das mudanças que vinham ocorrendo, Jack e Julie assumem definitivamente o papel dos pais ao se envolverem incestuosamente no quarto dos falecidos guardiões. No entanto, Derek vê os dois, e, como já estava curioso sobre aquele baú cheio de cimento no porão, que estava a inalar um cheiro estranho, desce e descobre o segredo, delatando-os para a polícia. Na parte final, prazer, união, incesto, maternidade e justiça acontecem sombriamente, relegando o final dos órfãos em mistério para o leitor.


Citação:

“Vi uma coisa hoje no jardim
que me chocou”, e
u disse.
É mesmo?”, perguntou Julie. “O que foi?”
“Uma flor.”
 

Curiosidades:
  • Ian McEwan também é conhecido como "Ian Macabro", por causa do teor de suas primeiras obras;
  • O Jardim de Cimento teve uma adaptação para os cinemas em 1993, sendo escrito e dirigido por Andrew Birkin;
  • Uma das mais interessantes perspectivas que Andrew traz em sua adaptação do livro de Ian, é a atmosfera suja e angustiante que predomina no filme, assim como a sensação que Jack tem de seu interior;
  • Ian, atualmente com 69 anos, publicou em 2016 o livro Nutshell, contabilizando um total de mais de 20 obras  

Avaliação:
 O texto traz concepções muito interessantes para a nossa sociedade, em que o social e as regras inconscientes e conscientes predominam. Pois, se o isolamento e a não interação total nesse universo acontecesse com determinado grupo, o quê eles seriam ou fariam? A ordem do prazer e instintos primitivos talvez viessem a tona com uma grande força de arrebatamento. E é isso que McEwan nos oferece com um grande poder descritivo, no qual cada cena se torna visível ao leitor.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Se um viajante numa noite de inverno






Ítalo Calvino se reinventa artisticamente em dez escritores diferentes contando dentro da história de dois leitores dez romances diferentes. Quando você começa a ler, pode até não saber, mas irá embarcar em uma grande aventura. O livro começa com uma espécie de adivinhação do perfil do leitor, já buscando uma identificação com a própria pessoa que está lendo. Então continua com o leitor (isso mesmo, você), comprando um livro (“Se um viajante numa noite de inverno”) que possui um defeito. Aborrecido, ele volta ao local que comprou para trocar o livro e então descobre que a leitura do livro defeituoso não tinha nada a ver com o real livro em questão. Aí que ele busca um novo romance para ler e se perde em diversas leituras que são colocadas ao decorrer da história contada por Ítalo Calvino. A história é dividida assim: alternando entre um capítulo sobre um dos livros que os leitores estão lendo e um capítulo sobre os leitores em si. No decorrer do total de dez romances vamos adentrando nas tantas histórias simultâneas que nos fazem incorporar totalmente esse papel de personagem.

Trecho:

“No romance “romanesco” a interrupção é trauma, mas também pode institucionalizar-se (o corte no momento fulminante no folhetim; a quebra dos capítulos; o “voltemos um passo”). O fato de ter feito da interrupção de enredo motivo estrutural de meu livro tem esse sentido preciso e circunscrito, e não toca a problemática do inacabado na área da arte e da literatura. Melhor dizer que aqui não se trata do inacabado, mas do acabado interrompido, do acabado cujo final está oculto ou ilegível. Tanto no sentido literal quanto no metafórico.”
“Vivemos em um mundo onde histórias começam e não acabam.”

Curiosidades:

O livro é uma crítica a alguns leitores e sua “pressa” para ler livros;

Esse conceito de escrever “livros dentro de livros”, fazendo pensarmos na literatura dentro da literatura é chamado de “metaliteratura”.


Avaliação:

É um livro que, de um jeito nunca antes tão real, nos faz imergir dentro da história. Esse conceito pode ser meio “batido”, mas esse livro com essa metalinguística faz isso ter um sentido como nunca. Apesar de ser uma leitura confusa e pesada todas essas histórias dentro de histórias valem a pena pelo grau de imersão que o livro causa.

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Contos de Franz Kafka


Contos de Kafka
Franz Kafka nasceu em Praga (República Checa) em 1883 e morreu em 1924 em Kierking Klisterneuburg (Áustria). É considerado pela crítica um dos maiores escritores de língua alemã do século XX; escreveu romances e contos.
A colônia penal narra a visita de um explorador a uma colônia penal. O conto gira em torno de um aparelho que serve para matar os condenados. O oficial, que não tem nome como os outros personagens, descreve o aparelho com detalhes chocando tanto o explorador quanto o leitor. O condenado a morte, que foi julgado sem poder se defender, presente no conto desobedeceu a uma ordem do seu superior e agora deverá ser submetido a uma tortura de 12 horas até a sua morte. O conto é o relato da justiça e da punição presente na sociedade, o fato de os personagens não terem nome nos da uma impressão do quão genérico a sociedade é e como esse tipo de situação pode estar presente em qualquer parte do mundo.

Citação:
Nossa sentença não é severa. O comando que o condenando infringiu é escrito pelo rastelo em seu corpo. Este condenado, por exemplo [...] terá escrito em seu corpo: Honra os teus superiores!” [...]. O explorador queria fazer várias perguntas, mas ao ver o homem perguntou apenas: “Ele conhece a sentença?” “Não” disse o oficial e tentou dar prosseguimento à explicação, mas o explorador interrompeu-o: “Ele não conhece a própria sentença?” “Não”, disse mais uma vez o oficial, deteve-se por um instante, como se exigisse do explorador uma fundamentação mais precisa para a pergunta, e então disse: “Seria inútil comunicá-la. A sentença é aplicada ao corpo [. Assim o explorador inclinou-se mais uma vez para a frente e perguntou: “Mas ele sabe ao menos que foi condenado?” “Também não”, disse o oficial e abriu um sorriso ao explorador, como se esperasse dele mais alguns questionamentos estranhos. “Ora”, disse o explorador e passou a mão pela testa, “então este homem também não sabe como sua defesa foi recebida?” “Ele não teve nenhuma oportunidade de apresentar uma defesa” disse o oficial [...]”(p.86-87)

Curiosidades:
  •  Albert Camus, Gabriel García Márquez e Jean-Paul Sartre estão entre os escritores influenciados pela obra de Kafka;
  •   Kafka teve uma relação complicada e turbulenta com o pai, o que gerou uma grande influência sobre sua escrita;
  • A maior parte de sua obra está repleta de temas e arquétipos de alienação e brutalidade física e psicológica, conflito entre pais e filhos, personagens com missões aterrorizantes, labirintos burocráticos e transformações místicas.


Avaliação:

Kafka trabalha com uma moral quase invisível em seus textos, ele nos faz pensar em qual o real sentido daquilo que estamos lendo sem realmente nos dar uma resposta em seu texto. Seus contos são curtos e objetivos, o que faz ser uma leitura rápida e proveitosa.

Morte em Veneza


Morte em Veneza


Esse livro foi publicado pela primeira vez em 1912. Sua autoria é do alemão Thomas Mann (1875-1955). Tendo como pano de fundo a cidade italiana de Veneza, a história se inicia com o protagonista - o escritor Gustav Von Aschenbach - percorrendo as ruas de Munique, ao mesmo tempo em que indaga-se sobre o atual estado de sua carreira artística. Já nos seus 50 anos, vê-se envolto de uma atmosfera "negra", uma crise existencial, que o acomete através de angústias e insatisfação com o compromisso de suas produções. Surge então uma figura misteriosa numa das paisagens da cidade alemã: um homem ruivo, estranhamente caricatural, dotado de um rosto onde destacava-se a saliência de suas gengivas, é visto saindo de uma capela. Após essa repentina aparição, Aschenbach decide viajar, preferencialmente para o sul europeu.

Após uma estadia em Tieste, o escritor ruma para Veneza, onde acontecerá uma série de cabalísticas e decisivas experiências. Solicitando os serviços das míticas gôndolas de Veneza, Aschenbach pede a um dos barqueiros que o leve até o hotel Lido. As pessoas vistas pelo escritor até esse momento da viagem continham em suas expressões o mesmo semblante misterioso do ruivo de Munique. O homem que conduz a gôndola age de forma suspeita e chega a assustar o turista, pois muitas das vezes o deixa falando sozinho; num dos diálogos, ao questionar o pagamento do transporte, recebe como resposta um sugestivo "o senhor pagará".

Antes da estranha viagem, Aschenbach nota alguns grupos que desfilam pelas ruas de Veneza; ele vê um homem velho, que parecia estar maquiado. Supõe que essa era uma tentativa do senhor em parecer mais jovem, pois ele estava rodeado de pessoas mais novas.

Durante o jantar, já hospedado no hotel, Aschenbach se depara com um jovem que lhe desperta bastante atenção. O escritor fica admirado com a beleza do rapaz, que estava acompanhado do que parecia ser a sua família (posteriormente, reconhecidos como sendo de origem polonesa). O menino despontava das companhias, e suas vestes marcavam uma certa independência dele com o rigor das demais. Aschenbach, ao observar, na praia, a família e o jovem certo dia, escuta o que parecia ser o nome "Tadzio", tendo mesmo divagações com a sonoridade da palavra.

Aschenbach estava fascinado pelo jovem, mas sua insatisfação artística ainda persistia, e decide então rumar para outras paisagens; não fosse a notícia de que suas bagagens foram perdidas, o escritos teria partido, o que em uma análise dos seus sentimentos no período em que estava, não era realmente desejado.

O primeiro contato (visual) entre Aschenbach e Tadzio ocorre durante uma das perseguições do escritor ao estimado jovem. O sorriso que Tadzio corresponde a Aschenbach é visto então como justamente o oposto das feições cadavéricas e misteriosas dos outros personagens que deixavam o escritor perplexo. O artista tem a certeza, após ver o sorriso de Tadzio, de ter encontrado o real aspecto da eternidade, do belo, e numa fala inaudível às pessoas circundantes e ao garoto, fonte de sua inspiração, ele balbucia "eu te amo".

O repentino abandono das ruas e saída de pessoas de Veneza preocupam Aschenbach, que fica sabendo então de uma "mal" que está acometendo a atmosfera do lugar. Andando pelas ruas, que pareciam um labirinto, algumas informações que o autor recebe são de que o governo sabe do problema, mas finge não ser nada muito grave. A prova de que algo de inusitado e perigoso ocorre na cidade surge quando Aschenbach, durante uma apresentação de um grupo de artistas, testemunha o comportamento terrífico de um integrante; este começa a rir histericamente, mostrando seus dentes escariados.

Era uma espécie de cólera que estava se alastrando pela cidade, e Aschenbach a contrai quando come um morango contaminado.

O final da narrativa ocorre na praia, quando Aschenbach presencia Tadzio e outro garoto, Jaziu, que parecem brigar. As agressões culminam com Tadzio tendo seu rosto enfiado por Jasiu na areia da praia. Após isso, Tadzio percorre o mar até ultrapassar um banco de areia, onde vira seu rosto e acena para Aschenbach: este morre sentado na beira da praia.

Citação:
Nada é mais estranho, mais melindroso que a relação de pessoas que só se conhecem de vista, - que diariamente, em cada hora mesmo, se encontram, se observam; são obrigadas a manter a aparência de indiferente estranheza, sem cumprimento, sem palavra, pela ética ou capricho pessoal. Entre eles há inquietação e curiosidade sobreexcitada, a histeria de uma insatisfeita e artificialmente oprimida necessidade de conhecimento e intercâmbio, e principalmente também uma espécie de respeitoso interesse. Pois o homem ama e respeita o homem enquanto não consegue julgá-lo; e o anseio é o produto de um conhecimento falho."

Curiosidades:
  •  A mãe de Paul Thomas Mann era brasileira, se chamava Júlia da Silva Bruhns; com 7 anos, ela foi morar na Alemanha;
  • Quando a Alemanha Nazista invadiu a Checoslováquia, em 1939, Thomas Mann, que possuía cidadania do país desde 1936, emigrou para os Estados Unidos, onde futuramente lecionou na Universidade de Princeton;
  • O enredo de Morte em Veneza é permeado por diversos temas: desde o amor platônico de Aschenbach por Tadzio, a obra possui também traços autobiográficos e críticas do autor ao governo alemão.


Comentário:

A narrativa possui momentos de reflexão e apresentações de personagens sugestivos, misteriosos e simbólicos. O fundamental do texto é compreender a busca de Aschenbach pelo conceito de perfeição, do belo, provavelmente a origem de sua angustia inicial e causa da morte. 


Contos Jorge Luis Borges


Contos de Jorge Luis Borges

Jorge Francisco Isidoro Luis Borges Acevedo nasceu em Buenos Aires (Argentina) em 1899 e morreu na Genebra (Suíça) em 1986. Foi um escritor, poeta, tradutor, crítico literário e ensaísta. Entre suas obras mais conhecidas estão os contos A biblioteca de babel e O Aleph.
O Aleph conta a história de Borges, um homem apaixonado por uma mulher chamada Beatriz Viterbo que morreu 1929. Para manter a memória da amada viva, ele visita a casa da mesma no dia 30 de abril – aniversário da mesma. Todavia, durante as visitas, Borges é obrigado a conviver com Carlos Danieri Argentino, também escritor e admirador de Beatriz, além de seu primo. Durante a narrativa o sentimento de Borges por Carlos se intensifica: há inveja, concorrência e admiração. Na última visita a casa de Beatriz, Carlos conta a Borges que querem destruir a casa e que ele havia encontrado o Aleph entre os vãos dos degraus da escada do porão; Borges desce para ver a pequena esfera que mostra tudo – presente, passado, futuro –, todas as maravilhas e lugares do mundo. No fim da visita Carlos pergunta se Borges irá ajuda-lo a preservar a casa e ele responde que não.

Citação:

“Felizmente, nada ocorreu – salvo o rancor inevitável que me inspirou aquele homem que me havia imposto uma delicada missão e depois me esquecia” (pág. 165). – Cena em que Borges espera o telefonema de Carlos.


Curiosidade:

  • É considerado um dos maiores escritores espanhóis, perde apenas para Cervantes;
  • Teve grande aptidão para a literatura desde cedo;
  • Escrever seu primeiro conto, La visera fatal, aos 8 anos de idade. 
Avaliação:
Borges escreve textos em que nos levam tanto para o lado místico da vida e também para o lado mundano. São textos fáceis para a leitura e que valem muito a pena serem lidos. Segundo Calvino, em Seis propostas para o próximo milênio: 

“Cada texto seu contém um modelo do universo ou de um atributo do universo- o infinito, o inumerável, o tempo, eterno ou compreendido simultaneamente ou cíclico; porque são sempre textos contidos em poucas páginas, com exemplar economia de expressão; porque seus contos adotam frequentemente a forma exterior de algum gênero da literatura popular, formas consagradas por um longo uso, que as transforma quase em estruturas míticas” (pág. 133).

sábado, 21 de outubro de 2017

A Mulher no Espelho



A Mulher no Espelho - Virgínia Woolf

Quem é Isabela? Qual é a verdade que a circunda? No conto A mulher no espelho, Woolf utiliza-se de uma narrativa em terceira pessoa para nos apresentar a sua personagem à partir da perspectiva dada pelos pensamentos e reflexões do(s) narrador(es). Assim, durante o relato, até o final da história, apenas pré conceitos e fatos sobre a vida misteriosa dessa senhora peculiar nos são impelidos, suscitando dúvidas e mais dúvidas superficiais à seu respeito. Afinal, quem era ela?

Essa mulher rica, de vestimentas chiques e da moda, com uma vida preenchida por viagens exóticas, nas quais adquirira a maior parte de seus bens e móveis; com armários e gavetas cheios das mais diversas cartas amorosas e de relacionamentos passados, simplesmente só poderia emanar essa concepção de alma tão procurada, conhecida como felicidade. Entretanto, pouco a pouco, o espelho muda tais olhares.

Isabela Tyson caminha vagarosamente do jardim em direção a mesa de sua sala de estar, na qual recentemente um agente deixara a correspondência sobre. Um ajeitar de mãos e flores, um movimento do corpo, logo ela se encontra parada em frente a este impiedoso objeto. Aqui, olhando para si mesma na imagem refletida pelo espelho, todas as “máscaras” e “materialidades” que a definiam, tais como o vestido verde-acizentado, não possuem valor e são expelidos. Ela era vazia. Desse modo, conclui-se a verdade (que muitos queriam descobrir sobre a personagem) com ironia - “As pessoas não deviam dependurar espelhos em suas salas.”



Citação:

"Afinal, ei-la ali, no salão. Deteve-se. Ela parou em pé junto à mesa. Ela parou completamente imóvel. De imediato o espelho começou a verter sobre ela uma luz que parecia pregá-la; que parecia um ácido que corrói o não-essencial e o superficial e deixa apenas a verdade. Era um espetáculo encantador. Tudo imanava de Isabela - nuvens, vestidos, cesto, diamante -, tudo o que fora chamado de planta rasteira e convólvulo. Eis a dura parede embaixo. Eis a própria mulher. Ela se erguia nua naquela luz impiedosa. E nada havia. Isabela estava completamente vazia. Não tinha pensamentos. Não tinha amigos. Não cuidava de ninguém. Quanto às cartas, eram todas contas. E enquanto ali estava, velha e angulosa, jaspeada e coberta de rugas, com o seu nariz arrebitado e o pescoço vincado, ela sequer se deu ao trabalho de abri-las."


Curiosidades:
Entre suas obras mais conhecidas, se encontram Mrs. Dalloway, Orlando e Um Teto Todo Seu, no qual este último possuiu uma de suas mais lembradas frases - "Uma mulher deve ter dinheiro e um teto todo seu se ela quiser escrever ficção 

Virgínia Woolf foi e é ainda muito aclamada pelo seu trabalho em descrever a alma feminina

Durante sua vida, passou por diversas crises e lapsos de loucura, entre os quais tentou cometer suicídio aos vinte e dois anos, mas foi da janela do segundo andar e por isso não se feriu gravemente.

Em 1941, aos 59 anos, por diversos fatores, incluindo o agravamento de sua depressão e a explosão da Segunda Guerra Mundial, Virgínia consuma o suicídio ao pular no rio Ouse com pedras dentro de seus bolsos.


Avaliação:  

É genial como Woolf consegue, a partir da escolha de seu(s) narrador(es) e des breves comentários dúbios, nos fazer tão loucamente curiosos a descobrir mais sobre a vida intrigante da personagem. Para, no fim, mesmo que liricamente, desnude-a e vilmente mostre a solidão humana. 


segunda-feira, 16 de outubro de 2017

No caminho de Swann




No caminho de Swann - Proust

O francês Marcel Proust (Auteuil, 10/07/1871 – Paris, 18/09/1922), proveniente de família abastada, era filho do médico Adrien Proust, professor e inspetor de saúde, e de Jeanne Weil; sofreu a vida toda devido à asma, e devido a isso, desde cedo foi um leitor voraz, o que o ajudou a ser tonar um grande escritor. Passou, após a morte de sua mãe, 10 anos de sua vida trancado dentro de um apartamento, tendo escrito até um dia antes de sua morte. Autor das obras: Os prazeres e os dias (ensaios), Jean Santevil, da serie Em Busca do Tempo Perdido e de diversas crônicas.
Em Busca do Tempo Perdido é uma série de livros que conta a história de vida Marcel-Personagem (utilizo do –Personagem devido aos livros serem quase autobriograficos e para que possamos distinguir autor de personagem, mas daqui em diante vamos nos referir ao personagem como Marcel e ao escritor como Proust). O primeiro, O caminho de Swann,  livro trará da infância do narrador-personagem na cidade de Combray. Ele relembra, inicialmente, a sua relação, quase obsessiva, com sua mãe: onde ele esperava ansiosamente pelo beijo de boa noite proveniente dela, pois ele não podia participar do jantar ou permanecer com a família muito tempo, independe de o beijo ser dado antes ou depois de ele se retirar para o quarto Marcel ficava frustrado e deprimido. Então, Proust entra com o personagem que está presente no titulo do livro Swann: para Marcel, Swann era o grande culpado, pois ele chegava a casa e a mãe de Marcel não ia dar-lhe o beijo de boa noite. A família de Marcel, quando estava em Combray, tinha o costume de passear pela cidade, e podiam escolher entre dois caminhos: o mais longo, de Guermantes, que seguia o rio; e o mais curto, de Méséglise, que passava nas terras de Swann. Esses caminhos, ao decorrer da história, podem ser entendidos como opções de vida. Em determinada parte do livro, conhecemos mais de perto Swann: um burguês, ocioso, solteiro e apreciador das artes, que tem sua vida mudada por uma mulher, a qual ele se apaixona e, posteriormente, casa, Odette (uma mulher com fama na cidade e um caráter questionável). Nem mesmo Swann entende como se apaixona por essa mulher, no final ele acaba recebendo uma carta anônima que o informa sobre as traições da mulher.

Citação

(…) desde que amava Odette, simpatizar com ela, tentar ter uma só alma dos dois, era- lhe tão agradável que procurava comprazer- se nas coisas de que ela gostava, e sentia um prazer um tanto mais profundo, não apenas em imitar os seus hábitos, como ainda em adotar opiniões (…) (p. 261)

Curiosidades

  • Proust inaugura uma espécie de literatura de memória involuntária ao escrever Em Busca do Tempo Perdido;
  • Por ser muito meticuloso, Proust escreveu, primeiramente, o inicio e o final da série de livros, para depois a transformar nos 7 livros que existem hoje;
  • Ele morreu rescrevendo  A prisioneira, sem ter revisado os últimos dois livros da série;
  • Proust era homossexual assumido, apesar de seu personagem Marcel ser heterossexual;


Avaliação


Proust nos mostra, além de sua vida, uma história que nos leva e nos faz pensar como a vida é e como o tempo passa sem que percebamos; com Em Busca do Tempo Perdido, ele nos faz perceber que todos os momentos que passamos não podem ser retornados, mas que há um jeito de os eternizarmos: escrevendo-os.

domingo, 15 de outubro de 2017

Madame Bovary


Madame Bovary - Gustave Flaubert

 

Madame Bovary é um romance realista escrito por Gustave Flaubert, publicado em 1857. É tido como um marco do universo literário, seja pelo seu estilo - marcado por dedicada descrição de lugares, acontecimentos e comportamento humano -, seja pelo burburinho causado na época de sua publicação.

A história conta a vida em matrimônio de Charles e Emma Bovary; aquele tem sua juventude relatada nos primeiros momentos do livro, algumas das agruras e situações que de certa forma parecem apresentar ao leitor um protótipo do personagem que mais tarde terá dificuldades em sanar os anseios da mulher e compreender o que de fato se passava na mente - e vida íntima - dela.

Após a biografia de Charles, o romance se volta para Emma Bovary, que passa então a ser a personagem central da trama. Ao longo da narrativa, é magistralmente relatado por Flaubert a vida de Emma, a sua educação no convento (onde acabará sendo instigada a ler romances, que sugestivamente influenciarão algumas de suas ideias, desejos e decepções após o casamento), seus primeiros contatos com Charles e até os pormenores do cenário em que ocorrem as tentativas de realização dessa mulher.

O primeiro encontro entre Charles e Emma acontece quando ele vai consultar o Sr. Rouault. Encantado com a filha do paciente, o médico apaixona-se por Emma. Ainda casado com Heloise Dubuc, a província de Rouen só vê o matrimônio entre Charles e Emma se concretizar após a morte da primeira mulher do médico.

O primeiro grande choque que Emma sente, que a levou a refletir sobre o estado em que se encontrava o casamento com Charles - "pondo na balança", possivelmente, as imagens antes sonhadas das leituras de romances e a vida "pacata' que realmente vivia - ocorre após o baile no Château La Vaubyessard, a convite do Marquês d'Andervilliers; a partir daí, a convivência em meio à aristocracia francesa e o modo de vida burguês passam a ser estimados por Emma, em oposição a vida que leva com Charles, considerada infeliz.

Ao se mudar para Yonville, a maternidade de Emma e sua insatisfação após o nascimento de Berthe não parecem realizar suas aspirações - em dado episódio, trata mal a filha, chamando-a de "feia". Nessa cidade Emma conhece Léon, estudante de Direito; surge uma paixão entre eles, que Emma rechaça - mesmo havendo uma profusão de sentimentos e acontecimentos iguais aos dos romances lidos por Emma no convento, tão sonhados por ela. Outro amante de Emma na história é Rodolphe, um aparente burguês proprietário de terras que procura os serviços médicos de Charles. Emma e Rodolphe têm um longo caso amoroso - alguns encontros acontecendo nos próprios aposentos de Charles. Entre cartas e juras de amor, Emma propõe a fuga dos dois, plano logo repelido por Rodolphe.

Emma, angustiada em sua procura infinda pela vida romântica, tal como vista nas leituras, procura refúgio na religião; porém, atribulando ainda mais seus pensamentos, Léon retorna de viagem, e a encontra na ópera - entretenimento proposto por Charles. Entre idas e vindas de encontros secretos, Emma começa a deixar Léon insatisfeito, pois o dispêndio de fortunas e o crescente aviltamento dela torna-se insustentável. De fato, ao longo desse periodo, Emma parece mergulhar em tentativas desesperadas de igualar-se a personagens dos romances lidos. A religião, o consumo, e as tentativas de se adequar ao espírito romântico não bastaram em sua sede de felicidade. 

A decadência moral de Emma é completa ao gastar a fortuna de Charles, chegando mesmo a frequentar um prostíbulo em busca de homens que lhe forneçam dinheiro. Léon e Rodolphe a abandonam; Charles, falido, vê sua esposa se suicidar ao ingerir arsênio. As cartas de amor que Emma trocara com os amantes são encontradas, tornando ainda mais intenso o desgosto de Charles. Após a morte, a filha do casal Bovary, Berthe, vai morar com a avó, que logo morre. Dada aos cuidados de uma tia, é inserida no mundo proletário, trabalhando com fiação de algodão.

Citação:

O dever é sentir aquilo que é grande, amar o que é belo e não aceitar todas as convenções da sociedade, com as ignomínias que ela nos impõe(p. 136)



Curiosidades:

  • Gustave Flaubert foi amigo de Baudelaire, Zola, dentre outros escritores e artistas plásticos.
  • Flaubert se considerava um autor romântico; não gostava de ser chamado de "escritor realista".
  • Durante a vida, devido a epilepsia, chegou a passar 14 horas escrevendo.
  • A obra Madame Bovary foi julgada, sendo vista como apologia à imoralidade. Flaubert, defendendo-se, disse ser a obra uma crítica aos maus costumes da sociedade francesa .


Avaliação:

A leitura de Madame Bovary - principalmente durante a primeira parte - pode parecer maçante para leitores que preferem uma exposição mais direta do tema da narrativa; mas é justamente essa peculiaridade da obra (a riqueza de detalhes e descrição dos fatos) que torna o enredo bem construído, possibilitando a quem lê acompanhar passo a passo o desenrolar da vida de Emma Bovary.



sábado, 14 de outubro de 2017

As Flores do Mal


As Flores do Mal - Charles Baudelaire

 

As Flores do Mal, de autoria do francês Charles Baudelaire, é um marco da produção poética do artista. Publicado pela primeira vez em 1857, a obra (Ed. especial. - Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2012) reúne 163 poemas, separados em 6 seções (De Spleen et idéal, De Tableaux parisiens, Le Vin, De Fleurs du mal, Révolte e La Mort), tendo como prólogo o poema intitulado "Ao Leitor".

Os poemas mostram um poeta ciente da época em que vive, parecendo retratá-la de maneira surrealista em alguns momentos, manifestando suas considerações, emoções e, notavelmente, a vanguarda de sua produção poética. De fato, a obra de Baudelaire foi censurada por diversas vezes, supondo o choque de sua visão artística com a mentalidade crítica da época, fato que não impediu seu posterior reconhecimento literário e sua influência poética nos artistas subsequentes.


Citação:

O albatroz

Às vezes, por prazer, os homens da equipagem
Pegam um albatroz, imensa ave dos mares,
Que acompanha, indolente parceiro de viagem,
O navio a singrar por glaucos patamares.

Tão logo o estendem sobre as tábuas do convés,
O monarca do azul, canhestro e envergonhado,
Deixa pender, qual par de remos junto aos pés,
As asas em que fulge um branco imaculado.

Antes tão belo, como é feio na desgraça
Esse viajante agora flácido e acanhado!
Um, com o cachimbo, lhe enche o bico de fumaça,
Outro, a coxear, imita o enfermo outrora alado!

O Poeta se compara ao príncipe da altura
Que enfrenta os vendavais e ri da seta no ar;
Exilado no chão, em meio à turba obscura,
As asas de gigante impedem-no de andar.

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A uma passante

A rua em torno era um frenético alarido.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão suntuosa
Erguendo e sacudindo a barra do vestido.

Pernas de estátua, era-lhe a imagem nobre e fina.
Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia
No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,
A doçura que envolve e o prazer que assassina.

Que luz... e a noite após! — Efêmera beldade
Cujos olhos me fazem nascer outra vez,
Não mais hei de te ver senão na eternidade?

Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!
Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,

Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!


Curiosidades:

  • Charles-Pierre Baudelaire (1821-1867) nasce e morre em Paris, tendo aos 6 anos de idade perdido o pai; passando a viver com sua mãe e seu padrasto, a relação com esse é rompida devido à decisão de Baudelaire em se dedicar às letras;
  • Assim como Madame Bovary, a coleção de As Flores do Mal causou polêmica, e foi censurada diversas vezes por "insultar a moral pública";
  • Aku no Hana é o nome de um mangá publicado de 2009 à 2014 e de um anime que foi ao ar em 2013. Tem como protagonista um estudante chamado Takao Kasuga, amante da literatura cujo livro favorito é As Flores do Mal.


Avaliação:

A leitura de As Flores do Mal é bastante intuitiva, sendo possível acompanhar e desvendar o pensamento do poeta Baudelaire de acordo com a evolução dos versos. Isso provoca um estado de identificação entre o leitor e a obra, que transmite o valor por trás de cada poesia.


Bibliografia: As flores do mal / Charles Baudelaire ; apresentação Marcelo
Jacques ; tradução, introdução e notas Ivan Junqueira. - [Ed.
especial]. - Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2012.

sábado, 16 de setembro de 2017

Memórias do Subsolo




Resumo:

"Memórias do Subsolo" de Fiódor Dostoiévski é marcado pelo personagem apenas nomeado por “Homem do Subsolo”, onde ele narra seus pensamentos extremamente atormentados, que vão se dando ao decorrer de que as memórias dele vão sendo contadas. O Homem do Subsolo é um homem que se apresenta como mau, desagradável e doente, mas o mais interessante é que apesar disso, é um homem extremamente consciente, até pontuando que “consciência demais é uma doença”. Sempre explorando a ideia da dualidade do conceito de “homem decente”, refletindo muitas vezes se um homem realmente é mais “puro” ou “decente” que o outro por admitir todos os podres que tem no seu inconsciente ou em seus pensamentos (por aí que é dada a ideia de “subsolo”). O livro começa com considerações pedantes e cruéis (afetando o leitor para algumas difíceis reflexões), com ideias de cunho niilistas, ideias filosóficas brutais que fazem com que seja impossível fazer a leitura do livro sem ficar atormentado com algumas ideias que temos de bondade, felicidade e gentileza. Já indo para uma segunda parte, o autor revela toda a face corrompida e medíocre do ser humano e de como se portamos em sociedade.

Curiosidade:

Há um capítulo de uma história em quadrinhos chamada “Astrocity” que conta uma história que se parece muito com a obra de Dostoiévski, contando a história de um leão que vive uma vida de aparências sendo um grande ator de Hollywood.


Trecho: "Todo homem tem algumas lembranças que ele não conta a todo mundo, mas apenas a seus amigos. Ele tem outras lembranças que ele não revelaria nem mesmo para seus amigos, mas apenas para ele mesmo, e faz isso em segredo. Mas ainda há outras lembranças em que o homem tem medo de contar até a ele mesmo, e todo homem decente tem um considerável numero dessas coisas guardadas bem no fundo. Alguém até poderia dizer que, quanto mais decente é o homem, maior o número dessas coisas em sua mente."

Avaliação:
Uma das obras mais reais e concretas da literatura, um livro que, apesar de sua densidade em cada linha, nos faz mergulhar nos pensamentos do personagem (nos nossos). O narrador que, mesmo muito maldoso e rabugento, nos cativa. Talvez por nossa identificação inconsciente, talvez por uma pena (que também pode ser por essa identificação “culpada”) , mas é inegável que o personagem traz um ar positivamente mórbido e com um tom quase que humorístico. Essa questão me trouxe a cabeça o livro “Laranja Mecânica”, onde o personagem, que apesar de ser um psicopata que gostava de muitas doses de ultraviolência, fazia com que, com sua narrativa, o leitor sentisse alguma empatia sobre ele. O que faz a obra de Dostoiévski é que ela é filosófica e construída a partir de um personagem medíocre e mesquinho que por muitas vezes faz identificarmos dele características de pensamentos que todos nós já tivemos. As reflexões que “Memórias do Subsolo” tem, faz nós vermos o lado putrefato do ser humano, que muitas vezes não enxergamos por trás de tanta falsidade de um mundo de aparências como temos hoje. O livro começa nos despindo de toda essa imagem que tentamos criar para os outros, para depois matar totalmente todo resquício dela.

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

O Barril de Amontillado


O Barril de Amontillado - Edgar Allan Poe 

A personagem principal, não identificado por um nome ou semelhante, inicia sua narrativa contando sua aversão por Fortunato, um homem que o afrontava e por fim, insultava-o. Em nenhum momento ele diz como ocorreram essas injúrias ou o(s) motivo(s), porém, por conta destas, jurou vingança contra seu amigo.

Em um dia carnavalesco, ele encontra Fortunato em meio a exaltação e, lá, ele lhe explica que comprara um barril de Amontillado, mas como não tinha certeza sobre sua veracidade, veio ter com Fortunato, um conhecedor de vinhos autêntico, para convidá-lo a ir em sua casa e descobrir seu real valor. A personagem utiliza-se de alguns truques, como o uso do orgulho de seu amigo, dizendo que poderia também falar com Luchesi sobre o assunto, um ignorante sobre vinhos. Desse modo, seduzindo-o a ir até sua residência.

Chegando lá, como os criados não se encontravam (também saíram aproveitar o carnaval), os dois vão sozinhos ao subterrâneo do palacete em direção ao tal barril de Amontillado. Eles descem e descem até as profundezas do local, de tempo em tempo trocando comentários sobre a prioridade da saúde de Fortunato, como aquelas paredes cheias de salitre não poderiam lhe fazer bem, e, caso fosse necessário, poderiam retornar e Luchesi seria seu substituto. Mais de uma vez afetando o orgulho e criando uma situação em que o amigo não recue.

Agora, já embriagados de Montec, chegam as catacumbas mais profundas e úmidas do andar. Ao chegarem no mais estreito das bordas da parede, local diminuto e sem quase luz, o vingador prende Fortunado em correntes com grilhões e começa a aplicar o fim de seu crime bem orquestrado. Por entre uma pilha de ossos, retira argamassa e tijolos e, de dentro do casaco, uma colher de pedreiro. Começa a construção de um parede. Por algum tempo o trabalho continua ininterrupto e a vítima em silêncio, mas ao dissipar de sua embriaguez e espanto, Fortunato percebe o ambiente mórbido que se encontra, a morte que se lhe aproxima e solta gritos, murmúrios contra seu malfeitor. No entanto, não adianta.

As camadas da parede uma a uma são sobrepostas e por fim, terminadas. O vingador consegue sua vingança seguindo seus princípios.




Citação:

"Uma sucessão de gritos altos e estridentes, explodindo subitamente da garganta daquela figura encadeada, pareceu me empurrar com violência para trás. Por um breve momento, hesitei – estremeci. Puxando o punhal da bainha, comecei a explorar o recesso; mas bastou um instante de reflexão para me tranqüilizar. Passei a mão pela alvenaria sólida das catacumbas e me dei por satisfeito. Cheguei mais perto da parede. Respondi aos berros daquele que clamava. Fiz eco, fiz coro, ultrapassei-os em volume e força. Fiz isso, e o suplicante fez silêncio". 

Cena esta que assemelha-se a uma batalha entre duas bestas ferozes pelo território, em que, no fim, prevalece o mais forte. Aqui, Fortunato percebe, quando seus gritos e gemidos são ultrapassados em potência, que não há mais esperanças para ele, a morte é inevitável. O que também poderia ser o desfalecer de suas forças por conta do salitre e umidade. 


Curiosidades:

  • Em algumas traduções é mais perceptível o simbolismo da roupa de Fortunato, que seria a de um Joker (palhaço), literalmente atravessado por um papel de tolo no conto;
  • Há um jogo de palavras em Inglês com a palavra "Mason", que significa tanto pedreiro quanto alguém que participa de rituais como  a maçonaria, por isso Fortunato achou que o protagonista estivesse jogando com ele quando tirou uma colher de pedreiro do casaco.
  • A morte do escritor é envolta em mistérios e rumores, entre as possíveis causas encontram-se embriaguez, suicídio, assassinato, cólera, raiva ou sífilis. Rumores acentuados por sua figura misteriosa e peculiar.


Avaliação:

O conto é sucinto e o desenvolvimento é rápido e feroz. A conexão que ele provoca no leitor é imediata, desde a convicção do protagonista sobre seus planos até sua realização, que acontece de uma forma muito mais cruel e sombria que o esperado. O impacto talvez apenas aconteça na primeira leitura, mas com certeza não me importaria de reler em um futuro próximo.